terça-feira, agosto 13, 2019

Uma greve vista por ...


antram.pt
... Eça de Queiroz
    
   Novembro 1871.
   Este mês a opinião preocupou-se com o que se chamou a greve de Oeiras.
   Parecia realmente indecoroso que Lisboa, já civilizada, com teatro lírico e outros regalos de capital eminente, não tivesse esse chique social - a greve! Oeiras, com uma dedicação amável, forneceu-lhe esta elegância. Oeiras deu a greve. Alguns estadistas puderam ter ocasião de comentar a nossa última greve, e de falar no terrível proletariado.
Somente esta greve de Oeiras apresenta uma novidade excêntrica.
   O fabricante diz:
— Eu dou a esses operários indignos, que abandonaram a minha fábrica e se puseram em greve, 4$000 réis por semana. Vinde!
   E os operários respondem:
— Não, não, isso não! Só voltamos ao trabalho se nos garantirem por semana 3$600!
   Confessem que é para empalidecer de confusão. Não se protesta aqui contra a avareza do fabricante, protesta-se contra a sua generosidade: o operário resiste a ganhar: só trabalha se lhe diminuírem o salário: tem avidez de sacrifício, e deseja antes de tudo sofrer fome! Que mistério é este? Ei-lo desvendado:
   Como sabem, há dois trabalhos essenciais no fabrico do lanifício: preparar a teia, o que leva uma semana, e produzir o tecido, o que gasta outra semana. Ora o fabricante descontava na semana do tecido uns tantos por cento do salário; e na semana do preparo levava a sua habilidade a descontar o salário todo.
   De sorte que havia semanas gratuitas. E justamente os operários pedem agora que lhes paguem menos cada semana, mas que lhes paguem as semanas todas.
   O fabricante exclama:
— 4$000 réis cada semana que tecerdes!
   E os operários replicam:
— 3$600 réis cada semana que trabalharmos. Porque preparar a teia é tanto trabalho como tecê-la.
   Tal é esta greve original, que não descrevemos com a sua precisão técnica, para não dar a estas páginas o aspecto de um tratado sobre lanifícios.

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