terça-feira, dezembro 13, 2005

Barbaridades do Professor

O debate televisivo entre Francisco Louçã e Cavaco Silva foi esclarecedor, a vários títulos. Apesar do formato rígido que dificulta um verdadeiro frente-a-frente, tratou-se do primeiro debate de ideias nestas presidenciais e pôs em evidência várias coisas. A primeira é que a globalização não esbateu, antes pelo contrário, as fracturas político-ideológicas entre esquerda e direita, mesma quando esta se apresenta envergonhada ou encavacada…. Em segundo lugar, o verniz da “competência” e da “independência” do Professor começou a estalar. Confrontado com a sua responsabilidade, como primeiro-ministro, na génese da crise que vivemos ou com a sustentabilidade da segurança social, Cavaco Silva evidenciou fragilidades e lacunas. E o sorriso plástico de uma calma artificial, mil vezes ensaiada, foi resvalando para esgares de azia.
Não falo sequer de questões ditas “fracturantes”, como o casamento homossexual – “neste momento há questões mais importantes para o país” – há sempre “outras questões” quando queremos desviar a conversa, não é verdade, professor? Mas houve um momento especial: as alterações à lei da nacionalidade, em debate na comissão parlamentar da especialidade. Aí, Cavaco deixou escapar um comentário que revela toda a estatura cívica e intelectual (ou a falta dela) dum candidato: “entendo que, nesta matéria, os partidos devem ser cuidadosos (…); imagine-se que, de um momento para o outro, começam a entrar clandestinos em Portugal e que, no dia seguinte, querem todos ser portugueses (…); em certo momento, os que aqui nasceram podiam estar em minoria”…
O pesadelo cavaquista, da invasão do rectângulo lusitano por mais de 10 milhões de bárbaros, podia ser partilhados com Manuel Monteiro ou até com Le Pen! E revela, além do mais, uma ignorância profunda da realidade por parte do Professor. Ora, como alguns seus apoiantes lhe podem explicar, com um saber de experiência feito, os clandestinos não precisam de saltar uma fronteira terrestre praticamente inexistente, pela simples razão de que já estão cá dentro! Não são 10 milhões, mas uns 100 mil, no máximo 200 mil cidadãos indocumentados, segundo o cálculo insuspeito do sindicato do SEF, que entraram no país desde o último processo de legalização – depois de 12 de Março de 2003, há quase três anos –, o qual está ainda por concluir. Não são turistas, mas sim explorados pelas máfias do trabalho ilegal e da “economia paralela”, com a cumplicidade dos governos que continuam a fazer muito pouco perante esta calamidade social e económica.
E não é aos imigrantes em situação ilegal que se poderá aplicar uma nova lei da nacionalidade, mas sim às crianças nascidas em Portugal. Aqui, verdadeira clivagem coloca-se entre o “jus solis” e o “jus sanguis” – isto é, saber se a nacionalidade deve ser a do lugar de nascimento ou a dos pais. Países com ambição, como o Brasil e os próprios EUA, fizeram da imigração uma das molas do seu crescimento. Mas nesta velha Europa, que ainda se considera o centro do mundo, há políticos de vistas estreitas que não se dão conta da queda demográfica e do envelhecimento acelerado; uma Europa que precisa da imigração como de pão para a boca… até para manter a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, baseados num contrato de solidariedade entre gerações.
Também isto distingue a dimensão dos políticos e das políticas de uma esquerda aberta, moderna e universalista e uma direita poucochinho, centrada no próprio umbigo… Face á globalização, os conservadores neoliberais pregam a liberdade de circulação de mercadorias e de capitais – e haverá maior liberdade que a dos off-shores? Entretanto, negam a liberdade de circulação legal das pessoas, remetendo-as para a clandestinidade das máfias que alimentam a voragem dos capitais…
Para se ter noção do fracasso destas políticos e destes políticos ultrapassados, nem é preciso invocar as lições da História: a muralha da China, impotente perante as hordas mongóis, o império romano ou até o muro de Berlim… Nos nossos dias, o arame farpado de Ceuta e Melilla e a dupla muralha de aço entre o México e os EUA, batida por cães e helicópteros, são impotentes para deter a entrada de um milhão de “chicanos” por ano nas fronteiras do Império. Afinal, quem são os bárbaros dos nossos dias? Os imigrantes que buscam uma vida melhor, como fazem 5 milhões de portugueses fora das nossas fronteiras? Ou os arautos do neoliberalismo e da guerra – Bush e os seus “yes men” como Durão Barroso, discípulo dilecto do Professor Cavaco Silva – que arrasaram económica e militarmente continentes inteiros, como África, e ameaçam a devastação ambiental do planeta?

Alberto Matos

6 comentários:

João disse...

Tenho assistido a alguns debates com muita nostalgia...Este formato está longe de conseguir marcar as diferenças ideológicas dos candidatos e, para mim, longe de favorecer a democracia, a democracia da discussão, civilizada, de visões antagónicas sobre o exercício da Presidência da República, sobre a relação com o Governo, com a AR, com os portugueses e, claro, no campo das relações internacionais.
Parece-me claro que nenhum dos candidatos possa falar em renovação, e quem se diz apóstolo desta renovação só pode viver num mundo da fantasia...ou da loucura.
Ora vejamos, tanto o Deputado Francisco Louçã como o Deputado Jerónimo de Sousa parece que se estão a candidatar ao lugar de Primeiro-Ministro, quer dizer, o primeiro não sabe muito bem o que quer, até porque "demitia" o Pres. do Governo Regional da Madeira, que por coincidência é eleito à mais de 25 anos, conquistando sucessivas maiorias absolutas (bastante expressivas)...não é que eu tenha alguma estima por o Dr. Alberto J. Jardim, mas respeito a soberania do voto do povo madeirense. O Dr. Manuel Alegre, como lhe viu escapar a oportunidade de chegar a SG do PS, tenta dar um ar de sua graça, deixando apenas perceber que se candidata contra Soares.Por fim e por último o "Sr. Professor", qual D. Sebastião, só faltou aparecer numa manhã de nevoeiro...o Sr. do bloqueio das pontes, o sr. das cargas policiais, o sr "Pai do Monstro(i.e:defice).
É claro que não me esqueci do Dr. Mário Soares...muitos terão o dedo em riste a este candidato...mas sejamos honestos,existirá candidato melhor que o Dr. Soares no contexto da política internacional?existirá um candidato que entenda melhor o papel do PR nas relações com o Governo?existira algum candidato que não este que seja capaz de unir o país, numa altura altura tão difícil como a que atravessamos? Acho que sabem a minha resposta...mas, inda bem, que existe a pluralidade de ideias e opiniões e inda bem que existe quem concorde e quem discorde de mim.

P.S.: Não foi o Prof. Cavaco Silva que apoiou o Dr. Soares no seu segundo mandato?Se naquela altura era tão bom que o apoiou, o que perdeu, desde essa altura para agora não partilhar dessa mesma opinião?

Anabela disse...

Caro João,

"Não foi o Prof. Cavaco Silva que apoiou o Dr. Soares no seu segundo mandato? Se naquela altura era tão bom que o apoiou, o que perdeu, desde essa altura para agora não partilhar dessa mesma opinião?", pergunta você.

Permita-me que o corrija... Foi precisamente o Dr. Mário Soares, quem afirmou junto da comunicação social, algum tempo antes de se decidir (re)candidatar à presidência, que considerava Cavaco Silva um bom futuro presidente. Mais, chegou mesmo a revelar que apoiava a sua candidatura... Já não se lembrava, pois não? Ele foi mesmo confrontado com essa "pequena" incongruência...

Não me irei repetir sobre a questão da emigração clandestina. Já tive oportunidade de me pronunciar sobre essa mesma matéria lá atrás (em Novembro).

Subscrevo o seu pensamento, de que estas eleições presidenciais assumem um carácter mais executivo do que deveriam.
Mais, penso que de facto, a candidatura de Mário Soares veio dar outro sabor político a estas eleições, que se vislumbravam sensaboronas, com os actores do costume. Dizer Soares e Cavaco é praticamente o mesmo que dizer Miterrand e Chirac... E para quem aprecia política e a entende como um grandioso debate de ideias, é um verdadeiro bombom este panorama.

Temo que alguns assuntos de maior importância tenham vindo a ser suplantados por outros, nos debates televisivos. É o caso do possível encerramento de certos Hospitais, que curiosamente parece ser uma medida que visa sublinhar o fosso entre o interior, esquecido e ostracizado de outros tempos, e o litoral...
E ainda, o negócio da Tap e da Varig, que afinal ficou para trás... E a questão da CP falida que quer isolar as pequenas cidades do interior, retirando a circulação de certos combóios...

Frequentemente ouço alguma esquerda invocar o modelo sócio-económico holandês como o exemplo ideal que Portugal deverá perseguir e querer para si... Discordo completamente deste ideário. É um facto que necessitamos de apostar na formação qualificada e continua dos nossos profissionais. Mas também é verdade que Portugal tem uma cultura de "boys" que a Holanda nunca preconizou.
Mais, se o modelo económico holandês pode ser (hipoteticamente) um princípio inspirador para Portugal, o social nem tanto. E não me apetece entrar por aqui, senão serei muito polémica, e terei os defensores da despenalização do aborto/drogas/prostituição amanhã à porta de casa, e decerto que não será para me cumprimentarem!

No entanto, torno a discordar de si, quando avança Soares como o candidato unificador do povo português. À direita, incluindo algum centrão, temos Cavaco. À esquerda, é à vontade do freguês...

Hugo Costa disse...

Os debates valem o que valem…num sistema como o nosso em que o sebastianismo parece rejuvenescido, por alguém que desgovernou durante 10 anos.
Assisti com interesse para alguns debates…e achei piada a Cavaco o Homem que so queria discutir Economia, a quase ter medo de a discutir com o candidato fantasma que como o senhor Jerónimo, só quer fazer propaganda…o professor (que nunca lho chama, mas é tanto professor como Cavaco) Francisco Louça.
É triste, mas parece que temos outro candidato…o Dr. Soares que passou de pai da nossa democracia, a um problema…já que pode por em causa a vitória da direita.

João disse...

Cara Anabela,


Ao contrário de alguns (provavelmente muitos) portugueses não tenho memória curta...e penso que a afirmação terá sido feita num jantar na Fundação Mário Soares (espero que a memória não me atraiçoe), mas também certamente se lembrará do inverso.

Quanto ao negócio da TAP e da Varig penso que continua tudo de pé, segundo o que vou acompanhando nas notícias online inda anteontem os trabalhadores da Varig tentaram, junto das entidades competentes, inviabilizar este negócio ao que parece por considerarem que o valor da venda se situa bastante abaixo do valor real.

Em relação à CP, a questão assume contornos mais sensíveis, visto que a CP é uma empresa público de serviço público e volto a frisar de serviço público. Assim e apesar da obrigatoriedade de ser gerida como empresa, o seu accionista maioritário (o Estado) não poderá procurar lucros a qualquer custo, cortando linearmente nas linhas com menos proveito financeiro, senão qualquer dia as famejadas assimetrias litoral-interior serão ainda maiores.
Ainda a questão dos "boys", não vou cair na tentação de comparar as nomeações feitas por este Governo e pelos Governos de Coligação em igual período (se bem que tenho a sensação que o actual nomeou bastante menos pessoas que o anterior)...inda ao que interessa...concordo plenamente consigo que o clientelismo político tem que acabar de uma vez por todas, mas também temos de ter noção do que são cargos de confiança política e cargos técnicos.

CUmprimentos

Francisco marques disse...

Meu deus

Tanta estupidez e ignorância.

Cara Anabela a senhora nasceu estupida e inculta e disso não existe cura, mas aqui exerço meu direito contra a extrema direita, será que a senhora sabe de história, e se souber provavelmente saberá que sempre na nossa história existiu imigrantes, uns derivado à escravatura, outros ao facto que eramos império.

Agora cara senhora não existe democracia quando no uso da mesma a liberdade do contraditório deixa de existir, casos como o aborto, a eutanasia e a ditadura por exemplo, quando passa a crime e pessoas são punidas deixa de haver democracia e direito de liberdade de opção.

Cara senhora sei que da estupidez já não tem cura mas ao menos poupe a minha paciência com suas opiniões de indele pseudo nacionalista mas que pouco disso tem.

Quanto ao Cavaco nada supreende, muitos esquecem da ditadura que fez, das câmaras nas manifestações estudantis, mas enfim o povo manipulado por estes orgãos privados que obviamente apoiam e fazem eleger quem eles querem.

A imigração não se combate com ditadura e fundamentalismo mas de outras formas.

FM

Anabela disse...

Ponderei se deveria responder à altura de certo comentário raivoso, de quem se espuma pela facciosidade e total inépcia de contra argumentar, sem ter de que recorrer insistentemente ao ataque baixo, digno de pequenez ressabiada...

Depois lembrei-me "repito-me, mas reitero".

Pois então:
"Caro francisco marques,

Agora seria a altura de escrever um parágrafo sobre a fronteira da boa educação, debatendo questões de liberdade de expressão, e tal, mas não. Vou esperar, até que me façam uma lobotomia, para poder entrar por aí.

Woody Allen, em “Annie Hall”, dividia a humanidade em dois grupos: o horror e a miséria. Os que viviam no horror eram os sofredores de condições físicas e mentais adversas (cegueira, surdez, deficiências físicas ou mentais, etc.), e os que vivem na miséria são todos os outros. Resumindo, todos devemos estar gratos por sermos miseráveis...

Os meus posts fazem uma distinção bastante mais simples: os que se posicionam, e os que não se posicionam. Tudo o resto (o seu linguajar) interessa-me tanto como a opinião da Lena d’Água sobre a nossa quota de pescas..."

Só para no caso de não ter lido...