Assembleia da República, 2018/Câmara de Deputados, 1871
Quantos se escandalizam com as notícias
sobre a alegada falta de ética de alguns deputados da Assembleia da República,
o registo de presenças que lhes aparece “milagrosamente” assinado mesmo quando
não comparecem às sessões, os controversos custos das deslocações , as mordomias,
talvez ajude a compreender a raça desses deputados caso se leia o que escreveu
Eça de Queiroz na sua “Campanha Alegre”, em 1871.
“A opinião tem pela Câmara dos
Deputados um sentimento unânime, e unanimemente declarado: o tédio. Diz-se mal
da Câmara por toda a parte. Os jornais mais sérios falam constantemente na sua
improdutividade. Aparecem contra ela panfletos satíricos. Ela é geralmente
considerada como um sórdido covil de intrigas. Se se pergunta:
- Que houve hoje na Câmara?
- Uma farsa - respondem uns.
- Uma feira - respondem outros.
Os jornais políticos vêm cheios
destas fórmulas: «A Câmara ontem deu um espectáculo triste para quem preza os
verdadeiros princípios ...» «A Câmara está oferecendo a prova da sua falta de
independência...» «A Câmara salta por cima dos princípios mais rudimentares de
administração».
- O parlamento é uma vergonha -
diz-se nos cafés.
- Vamos aos touros! - exclama-se nas
galerias (textual).
- Amanhã há escândalo! - murmura-se
na véspera das sessões.
Agora não se diz que o Parlamento é uma vergonha, isto
porque assim se diz, há deputados que não têm mesmo vergonha nenhuma.
Agora já não é tão politicamente correto um deputado
dizer “Vamos aos touros”, porque o Partido dos Animais e da Natureza não deixa.
Não se diz que amanhã há escândalo porque há escândalo
constante.
A Assembleia da República não é uma feira porque há respeito
pelas feiras.
Agora não se diz que a Assembleia da República é um covil
de intrigas porque esse anátema está estendido por muitas concelhias
partidárias.
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