A eleição presidencial do passado dia 22 de Janeiro encerra um longuíssimo ciclo político. Foi um ano alucinante – ou ano e meio, se nos reportarmos às eleições europeias de Junho de 2004, no qual aconteceu de tudo: desde a morte trágica de Sousa Franco, em campanha na lota de Matosinhos; o naufrágio eleitoral da coligação de direita PSD-PP e a “fuga para a frente” de Durão Barroso – no caso, para Bruxelas; o intervalo publicitário de Santana Lopes, até à dissolução do parlamento.
O ano de 2005 não quis ficar atrás do seu antecessor, e foi o que se viu: terramoto nas legislativas de Fevereiro que varreu a direita da governação e deu uma maioria absoluta ao PS, liderado por José Sócrates; as trapalhadas do referendo à pseudo Constituição Europeia, enterrada pelos NÃO da França e da Holanda; o referendo em falta sobre a despenalização do aborto; as autárquicas em 9 de Outubro, logo seguidas pelo arranque de uma prolongada pré-campanha presidencial.
Costuma dizer-se que tudo vai bem quando acaba bem – não foi o caso, para as esquerdas, no passado Domingo. Mas é bom visualizar todo o cenário, evitando pessimismos estéreis ou euforias descabidas. Sem esquecer o pano de fundo da “guerra infinita”, com os EUA e os seus “parceiros” atascados no Iraque e no Afeganistão, com o Irão e sabe-se lá quem se segue na mira… Um mundo em convulsão com uma Europa submissa, digna da estatura do seu actual Presidente da Comissão, onde Ângela Merkel tenta emergir como nova ‘dama de ferro’.
A eleição de Cavaco Silva à primeira volta, anunciada há meses, esteve longe da coroação sonhada pela direita. E a escassa margem de 64 mil votos deixa um sabor amargo à esquerda que teve a segunda volta quase ao alcance da mão, bastando para tal que a abstenção baixasse 2 ou 3 pontos percentuais. Sem a pretensão de atribuir culpas, foi evidente a desmobilização do eleitorado socialista que se viu confrontado com dois candidatos – Soares e Alegre – digladiando-se.
Tal como nas autárquicas, o eleitorado aproveitou as presidenciais para castigar o governo de José Sócrates, defraudado pela violação das promessas eleitorais: aumento da carga fiscal para quem já pagava impostos, sobretudo o IVA a 21%; congelamento salarial e ataques selectivos aos direitos dos trabalhadores, procurando dividir a função pública do sector privado e isolar certas categorias profissionais, para encobrir uma ofensiva global contra o mundo do trabalho. Algumas medidas do governo, como os aumentos de transportes e de bens essenciais e do imposto sobre os combustíveis, na véspera das eleições, deram o empurrão que faltava para a curta vitória de Cavaco Silva.
Paradoxalmente – e ao contrário do que pretendia este voto “de castigo” – esta eleição é um impulso ao agravamento da política anti-social do governo. A cooperação institucional anunciada pelo novo inquilino de Belém vai no sentido de apoiar todas as medidas antipopulares, exigindo “coragem” ao executivo para que faça o “trabalho sujo” e nele se desgaste, com o brinde adicional de, assim, ir preparando o terreno à recuperação eleitoral dos partidos da direita e do seu velho sonho: “um governo, uma maioria e um presidente”, agora por ordem inversa…
A candidatura de Manuel Alegre absorveu boa parte deste voto de castigo, não apenas à má escolha do candidato oficial do PS mas também à política do governo Sócrates. A grande expressão eleitoral desta candidatura coloca-o perante uma contradição insanável: ou regressa ao redil do PS – onde não há espaço de alternativa consistente ao neoliberalismo – para desilusão de grande parte dos seus eleitores; ou arrisca uma nova formação, para a qual não antevejo espaço político, tendo até como antecedentes (e ressalvadas todas as diferenças) as candidaturas de Otelo e Pintasilgo.
É justo realçar o bom resultado da candidatura de Jerónimo de Sousa, recuperando algum eleitorado tradicional do PCP que compareceu em peso às urnas – e ainda bem! A candidatura de Francisco Louçã, com bom desempenho e propostas inovadoras – por exemplo sobre a segurança social, que precisa de ter tradução no parlamento – não evitou o desvio de votos urbanos para Manuel Alegre.
Aconteceu também na cidade de Beja, em contraponto às subidas em concelhos como Vidigueira, Odemira ou Barrancos e em muitas freguesias rurais. O enraizamento desta nova esquerda plural, popular e não sectária vai fazendo o seu caminho, com muito trabalho pela frente: no parlamento, na rua, nas autarquias, sindicatos e associações populares. Sem descurar a unidade de acção com outras forças à esquerda da governação, numa altura em que nem há eleições à vista...
Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 24/01/2006
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