quinta-feira, novembro 10, 2005

Explosão dos Subúrbios


Há duas semanas que os subúrbios de Paris – les banlieues – pegaram fogo, após a morte de dois jovens, electrocutados num transformador da EDF no bairro de Clichy-sous-Bois, quando tentavam escapar a um controlo policial. Parece incompreensível tanto desespero: para quê enfrentar uma morte quase certa, só para fugir a uma rusga, entre tantas outras que integram o quotidiano destes bairros? Um terceiro jovem, sobrevivente ao choque de 20 mil volts, afirmou ainda no hospital que se tinham escondido naquele local porque estavam a ser "perseguidos pela polícia". Por sua vez, o Procurador François Mollins declarou que "não houve nenhuma perseguição policial" e também que "nenhum dos adolescentes tinha cadastro nem era delinquente". Então, de que fugiam eles?

Este breve retrato mostra o desespero e a violência latente nos banlieues de Paris e não só, já que o incêndio alastrou a outras grandes cidades, como Lyon, Bordéus e Marselha; ontem surgiram ecos de confrontos em Bruxelas e na Alemanha, sendo possível a sua extensão a outros países europeus. Um mal-estar profundo ressalta de toda esta situação, que ninguém sabe onde irá desembocar. Segundo alguns jovens, insuportável não é só a violência mas, sobretudo, as humilhações e insultos sofridos nas barreiras policiais que se comportam como forças de ocupação em território inimigo – uma variante do conceito de “superesquadras” que, há uns dez anos atrás, o ministro Dias Loureiro quis implantar como modelo policial do cavaquismo.

Para os mentores neoliberalismo, refugiados nas suas cidadelas, o modelo social e urbanístico é exactamente este: condomínios privados para ricos, protegidos por exércitos mais ou menos privados, cercados de vastos “territórios bárbaros” – os banlieues – onde mora “o inimigo”. Estes devem ser submetidos pelas forças de ocupação: a polícia e, se esta não chegar, o exército!

Não foi por lapso linguístico que o execrável ministro Sarkozy classificou de “escumalha” os jovens que protagonizaram o início da revolta, jogando gasolina na fogueira. Não se tratou sequer de uma provocação gratuita (que deveria ter originado a sua imediata demissão), mas de uma manobra articulada para impor o estado de sítio aos bairros onde mora “ a escumalha” – não apenas os jovens mas todos os outros: imigrantes de pele mais ou menos escura, operários e trabalhadores de diversas profissões, relegados para esse submundo sobre o qual os poderosos erigem as suas fortunas.

Não é por acaso que o ministro do Interior, Sarkozy, ressuscitou uma lei de 1955 que possibilita às autarquias decretar o recolher obrigatório, provocando os municípios da oposição (PS e PC) que dominam a grande Paris a assumirem essa medida; e, caso estes não o façam, ganhando argumentos para que seja o governo a decretar o estado de sítio, já exigido pelo fascista Le Pen. Sarkozy, que se apresenta na extrema-direita do bloco governamental como candidato à sucessão de Chirac, procura ocupar também o espaço de Le Pen (na linha de Bush e dos neoconservadores norte-americanos) e não hesita em atear um incêndio destas proporções para atingir os seus objectivos mesquinhos.

É sintomático que esta revolta alastre bem no coração do império europeu, quando este tenta desesperadamente controlar as suas fronteiras em Ceuta e Melilla, nas Canárias ou em Lampedusa. Afinal “o perigo” não vem de fora, ele está cá dentro e exprime-se através de cidadãos franceses e europeus da segunda e terceira gerações de imigrantes (e não só), relegados para um gueto social. Estamos a falar de cidades como Clichy-sous-Bois, com uma taxa de desemprego de 20% que, em certos bairros, atinge os 50% e com uma média etária inferior a 25 anos, onde convivem 36 etnias diferentes, encravadas numa área sem metro, nem estação ferroviária, nem sequer uma estrada nacional… e com um orçamento municipal de miséria. “Aqui não há o sonho americano, nem sequer o francês!”, diz o supervisor de um ginásio que conhece bem os jovens rebeldes.

Mais uma vez, Sarkozy insultou os pobres ao afirmar, com ar paternalista: “os imigrantes devem fazer um esforço para aprender o francês”. Como denunciou o activista Christian Ruffail, há muito que as organizações sociais trabalham nos bairros, sem esperar pelo governo para promover a alfabetização e um leque de actividades de inclusão social. O governo é que corta drasticamente as verbas para o trabalho social e agora quer enfrentar os problemas ainda com mais pólvora!
Por isso mesmo, em vez de seguirmos os tambores da guerra social de Sarkozy e Le Pen, o caminho para enfrentar a crise francesa e europeia é: “Todos juntos contra o Governo e o neoliberalismo”!

Alberto Matos

4 comentários:

Anabela disse...

Eu digo NÃO, à entrada da Turquia na União Europeia. Digo NÃO, à entrada de mais emigrantes. A Europa esgotou todos os seus recursos sociais... A Europa não necessita mais de ser reconstruída... A Europa não necessita igualmente de ser destruída... Hoje foi França, Inglaterra, os palcos de violência e vandalismo. Ontem foram os EUA... Amanhã, será Portugal, seguramente, se se permanecer sem medidas que visem travar este desequilíbrio social provocado pela sobre lotação e falta de empregabilidade. Olhemos para alguma camada de emigrantes e percebe-se que o rastilho pegará, seja na Cova da Moura, seja no Pinhal de Marrocos...

Anabela disse...

"É que normalmente os emigrantes são aproveitados como mão de obra barata para os trabalhos que os do país se recusam a fazer por míseros tostões..." Este sim, é que é o argumento, que no meu entender não tem cabimento nem justifica, a entrada de mais emigrantes. Repare que, contrariamente ao que sugere, os emigrantes portugueses, são gente de trabalho, de princípios, de metas a alcançar, de responsabilidades laborais. É a nossa cultura... Já a cultura de outros povos... O que não se pode, é continuar a afastar a decisão de fechar as fronteiras, com o pretexto de fugir ao epíteto de Racistas e Xenófobos. Eu sou por Portugal, pelos portugueses, em primeiríssimo lugar. Depois os outros...

Anabela disse...

"contrariamente ao que sugere, os emigrantes portugueses, são gente de trabalho, de princípios, de metas a alcançar, de responsabilidades laborais. É a nossa cultura... Já a cultura de outros povos..." Qual foi a parte que não percebeu? As pessoas, quando decidem sair do seu país, e emigrar para outro país, de certeza que não levam em mente passear, ir ao shopping, visitar monumentos, viver uma de "dolce fare niente", nem aderir à "movida"... Vão para arregaçar as mangas e trabalhar, para poderem regressar (alguns). É óbvio que você contraporá, dizendo que os emigrantes que Portugal recebe, não têm hipótese de emprego, ou que são explorados... Pois que não venham. Quanto à ideia que sugere que os portugueses não fazem qualquer trabalho, desengane-se. Até um licenciado se desunha para um lugar numa caixa de hiper, ou numa loja de bairro atrás do balcão. É a minha opinião, não tenho nada contra os povos de cultura diferente desta que vivemos, se bem que é cada vez mais mesclada, a cultura actual. Já não há nada para descobrir, aqui. Por isso, que não venham engrossar a mancha de miseráveis e esfomeados, pedintes que vão sobrevivendo... Já experimentou sair daí, de onde está, e passear-se por Lisboa? Faça-o, e vai ver a quantidade de pedintes de nacionalidade diferente da minha (eu sou portuguesa, caso não tenha reparado). Já agora, sugerir nuances de direita no meu post, seria igual a considerá-lo a si, membro de uma máfia de emigração, pela sua defesa à proliferação de emigrantes. Volto a dizer, não quereria ver as portas da Turquia abertas para a minha Europa, para o meu Portugal.

Francisco marques disse...

Cara Anabela

Não seja estupida e usa a intelegência, como se pode ser assim, emigrantes ou imigrantes são aqueles que procuram noutros países uma melhoria de vida, ganhe juízo e aprenda a ser mais tolerante, por pessoas como a senhora que homens como Le Pen, Salazar, Hitler etc existiram.

Não é por causa da imigração que estamos onde estamos, é pelos corruptos dos politicos e economistas, é pelas privatizações de empresas lucrativas para as destruir pelo bem de alguns desses que os senhores do centrão tanto amam e que tanto dão como bons exemplos, claro, estão sozinho sem concorrência, quem não é rico assim, tratando empregados como escravos, mal pagos.

Como querem que o país avance com salários da tanga, claro, ninguem consume, agora é a função pública o alvo, claro, tem lógica, os amigos empresários que elegem estes governos e os financiam tem que ter uma função pública má e a despedir, assim eles podem despedir e a contratar sempre, pagam menos e lucram mais.

Me poupe de tanta estupidez e de vez em quando usa a cabeça que não serve apenas para o cabelo.

FM