… acabo por retomar o mesmo tema: a morte no Afeganistão do sargento Roma Pereira, alentejano do Alandroal, até pela rapidez com que a notícia foi retirada da actualidade. Um jornal titulava: “Corpo de Roma Pereira recebido com discrição” no aeroporto de Figo Maduro. Além dos familiares e de militares dos três ramos das FFAA, marcaram presença o chefe da Casa Militar da Presidência da República, o primeiro-ministro José Sócrates e o ministro da Defesa, Luís Amado.
Um “lamentável acidente”, assinalado com a discrição q.b. porque, “noblesse oblige”, “the show must go on”… pois estamos numa missão internacional. Mas a morte do sargento Roma Pereira nada teve de acidental: todos os dias, desde Agosto, dez viaturas portuguesas patrulham a estrada onde ocorreu a explosão que o vitimou. Uma semana antes, um atentado suicida a cerca de dois quilómetros do local onde está instalada a companhia de comandos do Exército português, matou três civis afegãos e um soldado alemão. Nesse mesmo dia, durante uma visita ao Afeganistão, o ministro Dias Amado reafirmou que a presença portuguesa é para manter.
Pior ainda: depois da destruição maciça provocada pelos bombardeamentos norte-americanos, entre os vinte países que integram Força de Reacção Rápida da ISAF, sob chefia da NATO, o Exército português tem o terceiro maior contingente, logo a seguir ao alemão e italiano, com uma presença de 196 militares. Esta força está incumbida da “estabilização na área de Cabul e pronta para reagir a emergências no centro urbano”, além do controlo militar do Aeroporto Internacional de Cabul, por onde passam, em média, 3200 aeronaves por mês. Pode-se dizer que só por mero acidente é que ainda não morreram mais militares portugueses no Afeganistão. Como disse o bispo das Forças Armadas, Januário Torgal Ferreira, durante a cerimónia fúnebre, a morte de Roma Pereira foi "o sinal de um risco sem rosto e de uma ameaça sem contorno".
Mas os responsáveis por esta morte têm rosto: este governo e o seu antecessor, bem como o Presidente da República. Trinta anos depois do fim da guerra colonial, se descontarmos meia dúzia de mortes em acidentes de viação na Bósnia, Roma Pereira é a primeira vítima de uma presença militar portuguesa efectiva, enquanto força de ocupação ao serviço do império norte-americano, encarregue de defender um regime corrupto de senhores da guerra e do narcotráfico. Ainda por cima, esta participação que nada tem de simbólica, tem sido escondida da opinião pública, numa altura em que o governo esgrime com dificuldades orçamentais e investe, com inegável demagogia, contra “os privilégios” dos funcionários públicos, incluindo os militares…!
Ouve-se na rua que a tropa agora é profissional e, portanto, quem morre são mercenários que vão combater por dinheiro e já sabem o que arriscam. Além do simplismo desta argumentação – todos sabemos que é fácil atrair jovens com o estímulo de “uma aventura bem paga” e depois despedi-los sumariamente aos trinta anos, sem perspectivas profissionais e de integração na vida civil – o mais grave é que tudo isto é feito em nome do Estado português e não de uma qualquer legião de mercenários. É um acto de cidadania inadiável levantarmo-nos, seguindo o exemplo de muitos milhares de estudantes e outros cidadãos norte-americanos, espancados pelas forças de repressão frente aos jardins da Casa Branca, gritando: “EM NOSSO NOME, NÃO!”.
É nestas alturas que apetece responder a uma pergunta, tantas vezes repetida: afinal, para que serve o Presidente da República? De Jorge Sampaio, estamos conversados, desde a Bósnia ao Afeganistão e mesmo ao Iraque, para onde avalizou o envio de um destacamento da GNR que, só por acidente, não sofreu baixas mortais. Cavaco é, sem equívocos, o candidato dos senhores do dinheiro… e da guerra. Mário Soares marcou presença nas manifestações contra a guerra do Iraque e chegou mesmo a criticar a situação insustentável que se vive no Afeganistão, em termos de direitos humanos. Hoje, perante a morte de Roma Pereira, vai dizendo que não simpatiza com a nossa presença no Afeganistão, mas há compromissos internacionais. É a vida… Quanto a Manuel Alegre, era bom que não esquecesse a voz que deu cor às suas baladas, Adriano Correia de Oliveira: “O soldadinho não volta do outro lado do mar…”. Felizmente, há nestas eleições vozes claras contra a presença de Portugal no Afeganistão… e na NATO!
Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 29/11/2005
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